19 de setembro de 2010

Frevianas: Vassourinhas

Meus garis, olha aí , meus garis,
Olha aí, são os meus garis!

Que varreriam as ruas do Recife (antigo e digital)
E das Olindas também
Porém eles
Foram além
E fizeram o hino, o mantra

As troças varrem as ruas
Numa enxurrada de gente
Sem léu nem déu
E como uma cartola
Quanto mais descem
Mais querem subir
Quanto mais se passa
Mais há de passar

Aquela menina do cabelo curto (*)
Me segura na troça
Tava lá no domingo
Tava também na segunda,
Na mesma calçada dizendo:
- Varre! ... Varre! ... Varre!
Instigando a orquestra-vassoura
A levar os foliões
27 de Janeiro abaixo.

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(*)-No carnaval de 2008, quando eu seguia o Tanajura com Farinha, era domingo, fui instigado a fazer umas misuras por uma alegre foliona que estava com um grupo de amigos, bem próximo à sede de Pitombeiras. Após alguns segundos de meneios, ela já estava fazendo reverência a outro folião, volúvel aos parceiros, mas fiel à folia. No dia seguinte, quando passei pelo mesmo local, lá estava ela e seu grupo, reproduzindo o mesmo ritual: saudando os foliões, fazendo umas mungangas com algum escolhido, e, depois de algum tempo, satisfeita, mandando a troça passar, como uma rainha grega, ávida pelo transitório.




Frevianas: Come e dorme

Fervo no frege do frevo
No carnaval, é vero,
Há quem só come e dorme...
Outros não.
Frevam, batucam, catucam,
beijam, agarram e comem...
E dormem também, o sono justo.
Para horas depois
começar tudo novamente
Assim, pulam frevo, pulam cerca
E se desembestam
vestidos de besta-fera.


Frevianas: Último dia

Chega o último dia,
Mas ainda não fiquei levi(a)no
Não sou tão vivo como o mestre
Mas vivo querendo sê-lo
Só que não sou carta
E, se fosse,
talvez estivesse fora do baralho.

Só freeeevô... freeeeevôô...
freeeeevôô... freeeeevôô
faz a minha cabeça
do primeiro ao último dia
que pra mim continua sendo a terça
Afora os bois de Dona Dá.

Frevo, ladeira, cerveja
E toda beleza que passa à minha frente
Vão plantando, assim,
Nova semente.



Frevianas: Fogão!!!

É muito fogo desse povo folião
Para fazer frever assim
é mais que fogo, é fogão.
E ainda por cima, tem esse sol de Olinda
derretendo o juízo
queimando a massa que alucina.

Desejos a mais de mil
Carmo, São Pedro, Bonfim
Quatro Cantos, Amparo
Um mar de gente, sem fim.
Na Ribeira e prefeitura
Pega fogo o estopim.

Amanhecer

Amanhece novamente com nuvens que deixam o céu sombrio. Galhos inertes revelam o silêncio dos ventos.
Nada de riso de criança, de gorgeio de pássaros e nem acordes de frevo. Só a tevê e seu lixo submarinho. Fétidos monturos por onde cruzo. Um esmoler completa o quadro.
É outro meu coração. Falta-lhe uma ânsia qualquer depois de ontem.
Logo mais, no atropelo das missões do dia, disso esquecerei. Volta o burocrata, mas, assim que a noite chegue, também o projeto de moleque, o boêmio, e navegarei em promessas que me faço. Por certo, farei raiva também. Não consigo evitar.
Voltarei pra casa um pouco mais tarde do que dizem que deveria, mas, acredito, ainda a tempo de repactuar os laços de vários lustros.
Sei do caminho, mas preciso dos desvios. Das conversas sem futuro, dos versos noite a dentro, das pândegas cumplicidades, das elásticas saideiras, da construção de possibilidades, da corda bamba que sempre costuma pender pro lado do equilíbiro.
Há sempre riscos, é verdade. Mas, sem eles, não há vida.

12 de setembro de 2010

MELANCOLIA

Vagam em mim ondas de inércia
Vontade de silêncio
Torpor inexplicável

As horas passam
A chuva passou
Mas este domingo continua uma eternidade...

27/08/2010.

8 de agosto de 2010

Eita exagero!!!!

Painho...
Estava aqui sem saber o que escrever no dia de hoje. Com poucas idéias, fui buscar inspiração naquelas mensagens que vemos pela internet, nada me inspirou. Então,resolvi pensar a questão do porquê dia dos pais? Percebi que como o dia das mães, não é somente nesta data inventada, mas todos os dias do ano. Mas que nesta ocasião,paramos para pensar um pouco mais a respeito dessa relação(pai/filho-filho/pai).
Muitos falam que gostariam que seu pai fosse mais compreensivo, companheiro,liberal... que seria tão bom que ele fosse diferente. Eu nunca pensei nisso. Você nunca me deu motivo pra querer ter um pai diferente. Sempre te admirei e te amei pelo jeito que és como pai e como pessoa. Um excelente homem, um excelente pai!
Mas será que da mesma forma que alguns filhos falam que gostaria de ter pais diferentes,os pais não falam que desejariam filhos mais calmos, dedicados , inteligentes, carinhosos?
Acho que sim. Todos nós temos algo a melhorar, a desenvolver... eu mesma, sinto que preciso amadurecer muito, mas que eu estou indo em busca do meu crescimento, com muitas fraquezas e ansiedades,estou procurando me dedicar,entender as minhas limitações e dificuldades. E digo sempre que posso contar com os meus pais, que eles irão me chamar atenção quando necessário,me incentivar, me aceitar e entender que eu também cresço com os meus erros.
Bem,voltando a pensar sobre o dia dos pais, digo que comemoro com muita euforia, pois o comemoro com o melhor pai do mundo! Muitos não tem a sorte que tenho, de ter um pai tão especial, mas espero que isso sirva para pensar o que não é ser pai, e que futuramente esse possa vir a ser o 2º melhor pai. Pois o primeiro sempre será o meu=)
Obrigada por ser esse homem e pai que tanto tenho orgulho. Te amo do fundo do meu coração!! Feliz dia dos pais!! Beijos=*
Ass: Ericka Lais =D

30 de maio de 2010

Domingo na varanda



Debruço-me à varanda neste domingo preguiçoso. As frestas dos prédios que circundam o meu deixam-me ainda ver umas nesgas de morros e outras referências espaciais da minha história neste bairro. Outro espigão se projeta na terraplenagem do terreno à vista. Futuros apartamentos adquiridos a prazo, fiados no que revela a planta de papel, pois as plantas que lá haviam há dias foram derrubadas juntamente com a velha casa. Removidos galhos e destroços, vê-se apenas tralhas, ferragens, ferramentas e equipamentos diversos, prenúncio das obras da fundação.
Em breve não mais verei as campas do campo santo nem as copas da mata de Dois Irmãos. Nem mais terei contentamento de reconhecer ao longe a fachada do Albatroz, hoje antro atroz da Universal.
Transforma-se a paisagem e, junto com ela, morre a alma do lugar. Já se foram o cheiro bom do almoço escapando pela janela; aquele som de piano tocado sabe-se lá por quem, assim como os acordes do misterioso saxofone da minha infância; o susto do pedestre ante o inesperado latido de cachorro “brabo” ao portão, e nem há mais mangueiras carregadas de frutas a serem abatidas com mira certeira de pedras catadas ao chão.
Portões eletrônicos acionados à distância por porteiros fardados e quase autômatos. De cachorro, nada de latidos e sustos, mas poodles na coleira das senhoras ainda sujando o passeio ou silenciosos pitbuls nem sempre de focinheira, mas sempre mal encarados. Nada de zoada de criança brincando no terreiro, a menos que se esteja próximo a um colégio ou creche.
Sendo domingo, é possível ouvir a algazarra de uma farra regada à cerveja e churrasco à beira da piscina.
De vida pulsante, nesta rua, vejo apenas Djalma pra lá e pra cá na bicicleta entregando seus pastéis e o Baleia, com seus baldes lavando os carros de vizinhos que não conheço. E, vez por outra, a viatura do Samu socorrendo mais um acidentado na esquina, ou estilhaços de vidro de mais um carro arrombado às claras.
30/05/0010

16 de maio de 2010

RECÍFERAS

(José Honório)

Admiródemaislungo
Chicocidapedrosamericofilosoul
Ivamarinhouçosempresempressa
Wilsonsfreirewassistoatônito
Silvasilvanalanguidamente
Naquintessênciadasquartas
Eeuviajonomeunicordelírio.

TREJEITÓRIA

(José Honório)

A terra está para os pés
tuberiforme alicerce.

As vozes dos ancestrais
ecoam vivas demais.

O futuro hoje me acena
sintoniza-o minha antena.

E assim, sem rumo certo
eu sigo por onde quero

ir, ouço minhas vontades,
só que as vezes chego tarde,

mas sendo este o meu tempo
é o mesmo contentamento.

As frutas de Pernambuco

(João Cabral de Melo Neto)

Pernambuco, tão masculino,
que agrediu tudo, de menino,

é capaz das frutas mais fêmeas
e da femeeza mais sedenta.

São ninfomaníacas, quase,
no dissolver-se, no entregar-se,

sem nada guardar-se, de puta.
Mesmo nas ácidas, o açúcar,

é tão carnal, grosso, de corpo,
de corpo para o corpo, o coito,

que mais na cama que na mesa
seria cômodo querê-las.

2 de abril de 2010

Bredo, quibebe, sangria e serra velho.


À mesa, o peixe, o feijão, o bredo, o quibebe. Tudo "de coco" como se diz por aqui. Também arroz, salada e peixe frito. Suco de limão e de uva. O primeiro espremido na hora, o segundo, industrializado, como industrializado foram os vinhos, um seco e outro suave, de mesa. Tomei dos dois, que não tenho preconceito, como tomaria também cerveja, cachaça ou outra bebida qualquer sem o menor remorso. Meu ritual é puramente gastronômico. Além do que gosto deste momentos pelo que eles trazem de peculiar, de singular, pela quebra da rotina, da mesmice.

Não houve sangria como na minha infância, feita com vinho (Sangue de Boi), água e açúcar. Era o ponche, o refresco, de todos. Homem, mulher e menino. Como era bom! Mas hoje, os tempos são outros e não se deve dar álcool à criança, foi o que me disseram. É, né? Então não está mais aqui quem falou! Mais uma tradição a ficar só na memória dos mais antigos e nos compêndios do folclore. Assim como quase não se malha mais o judas e nem mais se ouve falar em serrar velho, sórdido costume que, até algumas décadas atrás, na noite da quarta-feira da Semana Santa, tirava o sossego do povo de mais idade, principalmente dos mau humorados e criadores de caso. Esses eram as vítimas preferidas de grupos de galhofeiros, que, munidos de tábua e serrote, iam até a casa do "escolhido" para fazer barulho, anunciar-lhe a morte, lançar-lhe maus agouros, impropérios e ler seu "testamento". Como reação, podiam receber os mais hediondos palavrões, banho de mijo dormido, disparo de espingarda soca-soca, ou a mais indesejada das respostas: a indiferença e o silêncio.

Nunca vi velho algum sendo serrado - no meu tempo de menino já estava em desuso - mas uma vaga lembrança me deixa a impressão que naquele tempo eu tinha medo que um dia inventassem de serrar o meu avô. E quem tava doido!

Mudou a sociedade. Mudaram os costumes. Houve algum progresso na forma como se ver a velhice, embora ainda muito falte para que nossos idosos sejam tratados com toda a dignidade que lhe é devida. Quem hoje merece ser "serrado" é aquele que não respeita não somente o velho, mas os que lhes são diferentes nesse mosaico humano, construído nessa diversidade de gênero, idade, opção sexual, etnia, necessidades especiais, etc. Haja serrote!

Os tempos são outros. Uma dramatização dos últimos dias de Cristo em cada esquina. Algumas artesanais, outras com toda tecnologia. E mesmo o povo já sabendo o final, não deixa de assistir e se emocionar. E de achar graça de vez em quando, como nos contou meu sobrinho, Yank, que flagrou José "Cristo"Pimentel dançando o rebolation enquanto se preparava para a Ascensão. É que, nesta cena, em que o ator é elevado às alturas, Pimentel teve trabalho para encaixar o suporte que trás costas ao mecanismo que o suspende e o leva à apoteótica "subida aos céus". Tal embaraço, obrigou-o a se remexer de um jeito inusitado para tentar se encaixar, movimentação imperceptível ao grande público, mas que não deixou de ser vista pelos olhos curiosos do menino atento e crítico.

Esta foi a minha Sexta-Feira da Paixão. Mesa farta, família reunida, antigos contando história de serra velho, menino contando história de Cristo rebolando.

Amanhã haverá novo ritual por esse mundo afora. A farra do chocolate, que já aparece como tradição. Tradição imposta pelo comércio, sem passado próximo, sem histórias contada por nossos pais e avós, sem comunhão. Ainda bem que há quem dela tire proveito, além das(os) chocólatras e vendedores, como bem o fez minha amiga Inez Sodré, a mais pernambucana das cariocas que eu conheço, dançarina de forró e doida por um bolo de rolo, que, muito inspirada, escreveu este Desejo de Páscoa

Deixa eu pegar em você com mãos ávidas,
sentir a textura do que te embala...
Procurar com os dedos uma forma de desnudar-te,
para enfim ver-te assim...pronto prá mim.
Com essa cor morena,
com esse olhar derretido,
querendo como sempre brincar comigo.
Pedindo minha boca...querendo meus dentes...
Dou-te enfim um último olhar,
quase lânguido e sonhador...
Sinto que meu coração bate.....
E enfim.....
Tenho-te:
Ahhhhhhhhhhhhhhh Chocolate!!!!!!!!

30 de março de 2010

PSICORDÉLICO



Cordelista do presente
Não recita e nem declama
Faz é xou estandi-upi
Conquistando prêmio e fama
Planeja a sua carreira
Não monta "torda" na feira
Mas estande em bienais
Na net faz propaganda
Escreve sob demanda
Cuida das cordas vocais.
(José Honório)
29/03/10


27 de março de 2010

ACORDOU FELIZ

Ela acordou feliz. Nenhum motivo especial para isso. Não acertou na Mega-sena, não tirou dez na prova de ontem, pois prova não teve, não aceitou algum pedido de namoro, embora pedidos assim não lhe faltem, nem ganhou um antecipado presente de Páscoa. Mas ela acordou feliz. Ainda não eram sete horas e já estava com o som ligado, numa altura que não incomodasse o povo de casa, que ainda dormia, e nem os vizinhos sensíveis, mas o suficiente para dançar serelepe no meio da sala, ora embalada por Calaypso, ora por frevos vários, relembrando os "velhos carnavais" do mês passado. Jogou inúmeras vezes seus cabelos pra frente tal qual a Joelma idolatrada. Afastou o sofá, pegou a sombrinha e, toda sorridente, sapecou locomotivas e tramelas.

Era uma felicidade tão clandestina que até se espantou, demorando a entender que a gente nasceu pra ser feliz. Que felicidade não precisa de hora marcada e nem razão que a explique. E, caindo na real, continuou dançando todos os ritmos. Os conhecidos e os imaginários. E de tão feliz que estava, deu-se ao luxo de recusar a ida a um forrozinho, onde, se acaso tivesse ido, certamente iria espalhar essa felicidade gratuita no salão e entorno.

Era toda serotonina. No riso, no olhar, na pele, no corpo inteiro e além dele. Na alma, na aura, no espaço em sua volta. E assim ficou pra sempre na mente de quem a viu e há de sempre ser no desejo de quem lhe quer bem.




Passos e Passadas: QUEM NÃO PULA NESTA VIDA, PINOTA NA OUTRA...


Foto: Ericka Laís (2010)

Quem desavisadamente chega na esquina da Rua Oscar de Barros com a Avenida Norte, em Casa Amarela, populoso bairro da capital pernambucana, por certo se admira com o inusitado da inscrição que preenche quase toda a fachada daquela casa: Associação Grupo Cultural PAPA DEFUNTO. Difícil evitar o espanto ou o acesso de riso diante de uma funerária com tal nome tão bizarro e, ao mesmo tempo, tão apropriado.

Não foi este o meu caso, quando caminhava por lá na manhã de sábado, pois, de imediato, percebi que estava não somente defronte a uma criativa agência de serviços funerários, mas também diante da sede de uma tradicional troça carnavalesca, velha conhecida minha, que, sempre que se aproxima a meia-noite da quarta-feira de cinzas, passa pela rua onde eu moro com destino ao cemitério do bairro, tendo à frente um caixão com um "defunto" vivo dentro, e nesse seu cortejo nada fúnebre, puxado por trios elétricos, arrasta dezenas de foliões insaciáveis e mais resistentes que eu, a essas alturas, já morto, pelo cansaço das batalhas de frevos e sombrinhas.

Talvez seja esta uma das razões de ainda não ter me animado a sair de casa pra me juntar aos pândegos do Papa Defunto. Outra, deve ser o repertório dominante nos trios da troça, empestado de axés e suingueiras. Mas, como acabo de descobrir que já teve até a frevioca com a Orquestra de Mendes, bem capaz que no próximo carnaval eu vença a preguiça e caia na gandaia também. Mais ainda porque descobri que o inspirado Hino do Papa Defunto foi composto pelo companheiro Paulo Viola, que eu conheci nos encontros da UBE/PE-União Brasileira dos Escritores.

Esta troça fez-me lembrar de uma outra tradição do carnaval pernambucano, A Mulher da Sombrinha, que lá em Catende, cidade da zona da mata sul, anima os foliões na sexta-feira que antecede a semana precarnavalesca, concentrando-se no cemitério local e saindo em cortejo pelas ruas da cidade. À frente, uma boneca gigante, fazendo uma alusão à lendária figura feminina, que deu origem à troça, e, segundo os mais antigos, seduzia os trabalhadores da usina, fazendo-os segui-la até o campo santo, onde entrava e sumia misteriosamente por entre as catatumbas.

Como vemos, tanto na capital quanto no interior de Pernambuco, nem os que moram na cidade dos pés juntos ficam imunes à irreverência dos que gostam de brincar o carnaval.

Recife, 29 de março de 2010.

25 de março de 2010

Miolo de pote: Meu Batismo na Tanajura


O grande toró que caiu no Recife e adjacência de ontem pra hoje, acompanhado por relâmpagos e trovões, fez-me lembrar que nas primeiras chuvas do ano é que se dá a revoada das tanajuras, fazendo a festa da meninada e dos apreciadores desta exótica iguaria. Como uma coisa chama outra, foi inevitável nesta hora não vir à mente a minha mais predileta troça do carnaval olindense, uma agremiação criada há quase vinte anos por funcionários da Caixa Econômica Federal e que, numa opcional clandestinidade, não integra a programação oficial da folia olindense, mas marca presença nas ladeiras todo domingo de carnaval.

Um dos meus grandes achados no carnaval de Olinda foi a troça Tanajura com Farinha, que conheci graças ao meu amigo Sebastião Aquino, cunhado de Almir, um dos organizadores da agremiação. Foi um batismo histórico, a começar pelo pitu que levei de um pequeno ninja, jamis esquecido e que encabeça a lista das minhas desaventuras.

Pontualidade é uma palavra que não consta do dicionário dos blocos e troças, mas eu, como costumo fazer quando se trata de folia, cheguei no pátio do Mosteiro de São Bento, lugar da concentração, faltando alguns minutos para as dez horas. De foliões, quando ninguém, mas a kombi estava lá, estrategicamente posicionada, carregadinha de cerveja gelada (e refrigerantes também), com a moringa de caldinho e a sacola com a dita cuja mergulhada na farinha, amarelada pela manteiga. Não conhecendo ninguém e instropecto na minha timidez, resolvi esperar Tião e os outros amigos sentado na calçada, aproveitando uma nesga de sombra proporcionada pelo beiral de uma das casas.

Aos poucos os foliões da troça foram aparecendo. Chegou o estandarte, vieram os músicos. Após circular pelo pátio, um garoto que carregava a alegoria da agremiação, um varão de ferro encimado por uma tanajura de fibra de vidro (ou será de isopor?), veio também pegar carona na fatia de sombra e se posicionou junto a mim, segurando aquela incômoda geringonça. Permaneceu lá alguns minutos até que falou-me:

- Moço, o senhor podia segurar isso aqui enquanto eu vou ali procurar meu pai?

Solícito, como sempre procuro ser, fui solidário e me dispus a segurar a tanajura enquanto aquele menor abandonado encontrasse seu pai desnaturado e voltasse para resgatar o distinto objeto. Até hoje o miserável não voltou.

Não demorou muito para Benedito da Macuca mandar ver na sanfona, que, junto com a zabumba e o triângulo, formam a orquestra do Tanajura ao longo desses anos, embora já se tenha experimentado usar uma orquestra de metais, certa vez, coisa que pelo gosto de Arnaldo, outro organizador, jamais voltará a acontecer, em que pese a pressão de vários dirigentes e de boa parte dos seguidores da troça. Mas isto é coisa interna deles.

Começou a juntar gente, o povo se animando, a troça já saindo e nada do menino nem da minha turma. Eu sem conseguir mais ficar parado, doido pra cair no frevo sanfonado, não deu outra, assumi meu cargo de porta-tanajura e fui pro meio da folia, disputando com o porta-estardarte em termos de manobras e evoluções. Ah, seu eu te pego, menino desgraçado!

O cortejo já ia deixando a concentração quando meus amigos chegaram. Só então pude compartilhar o vexame da situação e o peso da alegoria, pois espontaneamente foi implantado um esquema de revezamento, ora carregando aquele troço, ora abastecendo de cerveja quem o estava carregando. E foi assim até o fim do desfile, quando, de volta à concentração, teve início a segunda e não menos festiva parte da folia, que é o forrozinho do imprensado, numa das mais disputadas fatias de sombra do carnaval olindense.

Outro fato digno de nota aconteceu nessa minha estréia como folião engajado em Olinda. Sabemos que as ladeiras ficam tomadas de gente no carnaval, principalmente no domingo, acho que por causa do Sala de Justiça. Pois bem. Nosso cortejo saiu garboso do pátio do mosteiro, resistiu bravamente aos primeiros acoites na praça em frente à prefeitura, desceu tranquilamente a ladeira de Pitombeiras, escapou ilesa do acocho da praça da Igreja de São Pedro, seguiu reinando pela Prudente de Morais, mas, quando chegou nos Quatro Cantos e inventou de subir a Ribeira, A Tanajura com Farinha foi esquartejada. Foi caco de tanajura pra tudo que é lugar. Alegoria pra um, estandarte pra outro. Sanfoneiro pra um canto, a zabumba não seu pra onde, o triângulo sumiu. Uns seguiram pela Rua de São Bento, outros pegaram o beco e foram pela Treze de Maio. Alguns voltaram por onde vieram e outros tomaram destino ignorado. Só um bom tempo depois foi que os sobreviventes se reencontram novamente ao lado da kombi, cada um fazendo seu relato de herói de guerra.

Da última vez que fui, estava sem meus pareias e, acabei não sendo um folião solitário, mas sim, solidário, protegendo o coração da nossa folia, a sanfona de Benedito, de uma chuva que queria estragar nossa festa. Para mim foi grande honra abrir mãos das tramelas, das tesouras e das dobradiças.

21 de março de 2010

Passos e Passadas: CAMINHADA DE DOMINGO


Foto copiada do site http://www.demetrioesculturas.com (autor ignorado)

Confesso que tenho dificuldade em incorporar alguma atividade física à minha rotina semanal. A exceção, até agora, têm sido as aulas de frevo nas tarde de sábado, no projeto Guerreiros do Passo, cujos integrantes , desde 2005, ocupam a Praça Tertuliano Feitosa, no bairro do Hipódromo, para ensinar, gratuitamente, os movimentos desta dança pernambucana, utilizando o método desenvolvido pelo mestre Nascimento do Passo, do qual a maioria foi aluno. É o frevo na praça o ano inteiro, com um pequeno recesso que vai do carnaval até a semana santa, quem ninguém é de ferro!

Enquanto elas não recomeçam, sigo buscando alternativas menos tediosas para o exercício regular deste corpo sedentário. A caminhada tem se mostrado a mais atraente das opções, desde que adotei a estratégia de escolher um cenário diferente a cada vez, só recorrendo à esteira como derradeiro recurso. Neste domingo, peguei o ônibus com a intenção de caminhar nas centenárias ruas do bairro do Recife, aproveitando a movimentação dos participantes da Corrida das Pontes. Devo esclarecer que, para fazer tal escolha, foi decisivo saber que na concentração dos corredores teria frevo com os passistas da Cia. de Dança Fênix, conforme informação precisa e preciosa da minha amiga Camylle. Mas fiquei só na vontade, porque, se teve frevo, ou eu cheguei tarde de mais ou foi por trás do enorme estrutura montada pela organização (passarelas, palco, área de apoio, cabines, etc).

Por conta do evento, o trânsito do centro do Recife estava caótico. Interditaram as ruas, mas não criaram roteiro alternativo, obrigando os veículos a ficarem esperando a passagem do último atleta. Assim, desci nas imediações da Faculdade de Direito e segui caminhando até o Marco Zero, contemplando o rio, a arquitetura neoclássica, as grafitagens de Derlon, e, o mais interessante, os personagens que surgem do acaso e dão alma às ruas da cidade.

Primeiro, ainda perto de casa, na frente da Delegacia de Casa Amarela, de um policial civil em prosa provavelmente com o delegado ou algum superior seu, que trazia o revólver na cintura, ouvi apenas um fragmento da conversa que ficou impresso na minha memória. Ignoro o assunto tratado, mas achei interessante quando escutei o agente dizer: “... a pessoa pode estar querendo contemplar a paisagem ou ter um pensamento elucubrativo...” Pensamento elucubrativo às oito e meia da manhã, no meio da rua, foi, no mínimo, hilário e um sinal de que o dia estava só começando.

Segunda cena: Na ponte Princesa Isabel eu caminhava seguindo o fluxo dos corredores. Um deles roubou-me a atenção pelo seu jeito espirituoso e gaiato. Um senhor, já sexagenário, que vez por outra gritava:
- Tá pensando que corrida é priquito? Corrida né priquito, não.

Após repetir algumas vezes, completou:

- Corrida é pau!Disse isso e disparou na carreira, ganhando o oco do mundo. Em segundos já estava lá perto do Teatro Santa Isabel, e eu segui na mesma maciota de antes.

Terceira cena: A organização da corrida, dando um toque regional ao evento, colocou duplas de caboclos de lança em alguns pontos estratégicos da passagem dos atletas. Mas as figuras não entraram bem no clima e mais pareciam estátuas que brincantes. O máximo que eu vi de um deles foi posar para uma foto com alguns turistas. Por isso entendi quando um dos corredores ao passar por um deles gritou provocativo:
- Balança o chocalho, caboco!
Mas até onde pude ver, o grito entrou por um ouvido e saiu pelo outro, e a maquinada do folgazão continuou silente.

Última cena: Já deixando o Recife Antigo, ouvi uma das corredoras perguntar à colega de prova o nome do poeta homenageado naquela estátua no meio do passeio da ponte Maurício de Nassau. Diante do silêncio da amiga, um pescador solícito se apressou em dizer que era do conhecido conde holandês que dava nome à ponte. Ato contínuo, sem muita convicção do que havia dito, buscou a confirmação do seu companheiro de pescaria, que confessou não saber de quem se tratava, mas foi bem incisivo dizendo que não era Nassau, pois este foi um príncipe. Sai de lá com dor de consciência por não ter revelado aos quatro personagens que se tratava de grande Augusto dos Anjos, um dos doze ícones da poesia pernambucana homenageados no projeto Circuito dos Poetas, executado pelo artista plástico Demétrio Albuquerque. Ainda bem que não fiz isso, porque não prestei atenção à escultura e nem tive o cuidado de ler a placa de identificação, e só, mais tarde, através do professor Google é que descobri que, na verdade, não se tratava do poeta do Eu, mas sim do recifense Joaquim Cardoso.


É O XERÉM TRITURADO DA SAUDADE/ NO ANGU REQUENTADO DA ILUSÃO.

Duas estrofes como exercício para um mote que vi glosado por Jessier Quirino:

É o desejo querendo ser real
É vontade buscando ser de vera
É verão cortejando a primavera
É um amor que só dura um carnaval
É sereno, é chuvisco, é temporal
É namoro curtido no portão
É olhar que penetra o coração
E se esconde por trás de uma amizade
É O XERÉM TRITURADO DA SAUDADE
NO ANGU REQUENTADO DA ILUSÃO.

É a voz do querer dizendo vem
É o receio do nada e que diz: - para!
Esperança que arma uma coivara
Faz o fogo arder sob o moquém
É a viagem do sonho que não tem
Compromisso nenhum com a razão
É a força indomável da paixão
Que se instala com toda liberdade
É O XERÉM TRITURADO DA SAUDADE
NO ANGU REQUENTADO DA ILUSÃO.

Recife, 18 de março de 2010.
Honório.