30 de março de 2010

PSICORDÉLICO



Cordelista do presente
Não recita e nem declama
Faz é xou estandi-upi
Conquistando prêmio e fama
Planeja a sua carreira
Não monta "torda" na feira
Mas estande em bienais
Na net faz propaganda
Escreve sob demanda
Cuida das cordas vocais.
(José Honório)
29/03/10


27 de março de 2010

ACORDOU FELIZ

Ela acordou feliz. Nenhum motivo especial para isso. Não acertou na Mega-sena, não tirou dez na prova de ontem, pois prova não teve, não aceitou algum pedido de namoro, embora pedidos assim não lhe faltem, nem ganhou um antecipado presente de Páscoa. Mas ela acordou feliz. Ainda não eram sete horas e já estava com o som ligado, numa altura que não incomodasse o povo de casa, que ainda dormia, e nem os vizinhos sensíveis, mas o suficiente para dançar serelepe no meio da sala, ora embalada por Calaypso, ora por frevos vários, relembrando os "velhos carnavais" do mês passado. Jogou inúmeras vezes seus cabelos pra frente tal qual a Joelma idolatrada. Afastou o sofá, pegou a sombrinha e, toda sorridente, sapecou locomotivas e tramelas.

Era uma felicidade tão clandestina que até se espantou, demorando a entender que a gente nasceu pra ser feliz. Que felicidade não precisa de hora marcada e nem razão que a explique. E, caindo na real, continuou dançando todos os ritmos. Os conhecidos e os imaginários. E de tão feliz que estava, deu-se ao luxo de recusar a ida a um forrozinho, onde, se acaso tivesse ido, certamente iria espalhar essa felicidade gratuita no salão e entorno.

Era toda serotonina. No riso, no olhar, na pele, no corpo inteiro e além dele. Na alma, na aura, no espaço em sua volta. E assim ficou pra sempre na mente de quem a viu e há de sempre ser no desejo de quem lhe quer bem.




Passos e Passadas: QUEM NÃO PULA NESTA VIDA, PINOTA NA OUTRA...


Foto: Ericka Laís (2010)

Quem desavisadamente chega na esquina da Rua Oscar de Barros com a Avenida Norte, em Casa Amarela, populoso bairro da capital pernambucana, por certo se admira com o inusitado da inscrição que preenche quase toda a fachada daquela casa: Associação Grupo Cultural PAPA DEFUNTO. Difícil evitar o espanto ou o acesso de riso diante de uma funerária com tal nome tão bizarro e, ao mesmo tempo, tão apropriado.

Não foi este o meu caso, quando caminhava por lá na manhã de sábado, pois, de imediato, percebi que estava não somente defronte a uma criativa agência de serviços funerários, mas também diante da sede de uma tradicional troça carnavalesca, velha conhecida minha, que, sempre que se aproxima a meia-noite da quarta-feira de cinzas, passa pela rua onde eu moro com destino ao cemitério do bairro, tendo à frente um caixão com um "defunto" vivo dentro, e nesse seu cortejo nada fúnebre, puxado por trios elétricos, arrasta dezenas de foliões insaciáveis e mais resistentes que eu, a essas alturas, já morto, pelo cansaço das batalhas de frevos e sombrinhas.

Talvez seja esta uma das razões de ainda não ter me animado a sair de casa pra me juntar aos pândegos do Papa Defunto. Outra, deve ser o repertório dominante nos trios da troça, empestado de axés e suingueiras. Mas, como acabo de descobrir que já teve até a frevioca com a Orquestra de Mendes, bem capaz que no próximo carnaval eu vença a preguiça e caia na gandaia também. Mais ainda porque descobri que o inspirado Hino do Papa Defunto foi composto pelo companheiro Paulo Viola, que eu conheci nos encontros da UBE/PE-União Brasileira dos Escritores.

Esta troça fez-me lembrar de uma outra tradição do carnaval pernambucano, A Mulher da Sombrinha, que lá em Catende, cidade da zona da mata sul, anima os foliões na sexta-feira que antecede a semana precarnavalesca, concentrando-se no cemitério local e saindo em cortejo pelas ruas da cidade. À frente, uma boneca gigante, fazendo uma alusão à lendária figura feminina, que deu origem à troça, e, segundo os mais antigos, seduzia os trabalhadores da usina, fazendo-os segui-la até o campo santo, onde entrava e sumia misteriosamente por entre as catatumbas.

Como vemos, tanto na capital quanto no interior de Pernambuco, nem os que moram na cidade dos pés juntos ficam imunes à irreverência dos que gostam de brincar o carnaval.

Recife, 29 de março de 2010.

25 de março de 2010

Miolo de pote: Meu Batismo na Tanajura


O grande toró que caiu no Recife e adjacência de ontem pra hoje, acompanhado por relâmpagos e trovões, fez-me lembrar que nas primeiras chuvas do ano é que se dá a revoada das tanajuras, fazendo a festa da meninada e dos apreciadores desta exótica iguaria. Como uma coisa chama outra, foi inevitável nesta hora não vir à mente a minha mais predileta troça do carnaval olindense, uma agremiação criada há quase vinte anos por funcionários da Caixa Econômica Federal e que, numa opcional clandestinidade, não integra a programação oficial da folia olindense, mas marca presença nas ladeiras todo domingo de carnaval.

Um dos meus grandes achados no carnaval de Olinda foi a troça Tanajura com Farinha, que conheci graças ao meu amigo Sebastião Aquino, cunhado de Almir, um dos organizadores da agremiação. Foi um batismo histórico, a começar pelo pitu que levei de um pequeno ninja, jamis esquecido e que encabeça a lista das minhas desaventuras.

Pontualidade é uma palavra que não consta do dicionário dos blocos e troças, mas eu, como costumo fazer quando se trata de folia, cheguei no pátio do Mosteiro de São Bento, lugar da concentração, faltando alguns minutos para as dez horas. De foliões, quando ninguém, mas a kombi estava lá, estrategicamente posicionada, carregadinha de cerveja gelada (e refrigerantes também), com a moringa de caldinho e a sacola com a dita cuja mergulhada na farinha, amarelada pela manteiga. Não conhecendo ninguém e instropecto na minha timidez, resolvi esperar Tião e os outros amigos sentado na calçada, aproveitando uma nesga de sombra proporcionada pelo beiral de uma das casas.

Aos poucos os foliões da troça foram aparecendo. Chegou o estandarte, vieram os músicos. Após circular pelo pátio, um garoto que carregava a alegoria da agremiação, um varão de ferro encimado por uma tanajura de fibra de vidro (ou será de isopor?), veio também pegar carona na fatia de sombra e se posicionou junto a mim, segurando aquela incômoda geringonça. Permaneceu lá alguns minutos até que falou-me:

- Moço, o senhor podia segurar isso aqui enquanto eu vou ali procurar meu pai?

Solícito, como sempre procuro ser, fui solidário e me dispus a segurar a tanajura enquanto aquele menor abandonado encontrasse seu pai desnaturado e voltasse para resgatar o distinto objeto. Até hoje o miserável não voltou.

Não demorou muito para Benedito da Macuca mandar ver na sanfona, que, junto com a zabumba e o triângulo, formam a orquestra do Tanajura ao longo desses anos, embora já se tenha experimentado usar uma orquestra de metais, certa vez, coisa que pelo gosto de Arnaldo, outro organizador, jamais voltará a acontecer, em que pese a pressão de vários dirigentes e de boa parte dos seguidores da troça. Mas isto é coisa interna deles.

Começou a juntar gente, o povo se animando, a troça já saindo e nada do menino nem da minha turma. Eu sem conseguir mais ficar parado, doido pra cair no frevo sanfonado, não deu outra, assumi meu cargo de porta-tanajura e fui pro meio da folia, disputando com o porta-estardarte em termos de manobras e evoluções. Ah, seu eu te pego, menino desgraçado!

O cortejo já ia deixando a concentração quando meus amigos chegaram. Só então pude compartilhar o vexame da situação e o peso da alegoria, pois espontaneamente foi implantado um esquema de revezamento, ora carregando aquele troço, ora abastecendo de cerveja quem o estava carregando. E foi assim até o fim do desfile, quando, de volta à concentração, teve início a segunda e não menos festiva parte da folia, que é o forrozinho do imprensado, numa das mais disputadas fatias de sombra do carnaval olindense.

Outro fato digno de nota aconteceu nessa minha estréia como folião engajado em Olinda. Sabemos que as ladeiras ficam tomadas de gente no carnaval, principalmente no domingo, acho que por causa do Sala de Justiça. Pois bem. Nosso cortejo saiu garboso do pátio do mosteiro, resistiu bravamente aos primeiros acoites na praça em frente à prefeitura, desceu tranquilamente a ladeira de Pitombeiras, escapou ilesa do acocho da praça da Igreja de São Pedro, seguiu reinando pela Prudente de Morais, mas, quando chegou nos Quatro Cantos e inventou de subir a Ribeira, A Tanajura com Farinha foi esquartejada. Foi caco de tanajura pra tudo que é lugar. Alegoria pra um, estandarte pra outro. Sanfoneiro pra um canto, a zabumba não seu pra onde, o triângulo sumiu. Uns seguiram pela Rua de São Bento, outros pegaram o beco e foram pela Treze de Maio. Alguns voltaram por onde vieram e outros tomaram destino ignorado. Só um bom tempo depois foi que os sobreviventes se reencontram novamente ao lado da kombi, cada um fazendo seu relato de herói de guerra.

Da última vez que fui, estava sem meus pareias e, acabei não sendo um folião solitário, mas sim, solidário, protegendo o coração da nossa folia, a sanfona de Benedito, de uma chuva que queria estragar nossa festa. Para mim foi grande honra abrir mãos das tramelas, das tesouras e das dobradiças.

21 de março de 2010

Passos e Passadas: CAMINHADA DE DOMINGO


Foto copiada do site http://www.demetrioesculturas.com (autor ignorado)

Confesso que tenho dificuldade em incorporar alguma atividade física à minha rotina semanal. A exceção, até agora, têm sido as aulas de frevo nas tarde de sábado, no projeto Guerreiros do Passo, cujos integrantes , desde 2005, ocupam a Praça Tertuliano Feitosa, no bairro do Hipódromo, para ensinar, gratuitamente, os movimentos desta dança pernambucana, utilizando o método desenvolvido pelo mestre Nascimento do Passo, do qual a maioria foi aluno. É o frevo na praça o ano inteiro, com um pequeno recesso que vai do carnaval até a semana santa, quem ninguém é de ferro!

Enquanto elas não recomeçam, sigo buscando alternativas menos tediosas para o exercício regular deste corpo sedentário. A caminhada tem se mostrado a mais atraente das opções, desde que adotei a estratégia de escolher um cenário diferente a cada vez, só recorrendo à esteira como derradeiro recurso. Neste domingo, peguei o ônibus com a intenção de caminhar nas centenárias ruas do bairro do Recife, aproveitando a movimentação dos participantes da Corrida das Pontes. Devo esclarecer que, para fazer tal escolha, foi decisivo saber que na concentração dos corredores teria frevo com os passistas da Cia. de Dança Fênix, conforme informação precisa e preciosa da minha amiga Camylle. Mas fiquei só na vontade, porque, se teve frevo, ou eu cheguei tarde de mais ou foi por trás do enorme estrutura montada pela organização (passarelas, palco, área de apoio, cabines, etc).

Por conta do evento, o trânsito do centro do Recife estava caótico. Interditaram as ruas, mas não criaram roteiro alternativo, obrigando os veículos a ficarem esperando a passagem do último atleta. Assim, desci nas imediações da Faculdade de Direito e segui caminhando até o Marco Zero, contemplando o rio, a arquitetura neoclássica, as grafitagens de Derlon, e, o mais interessante, os personagens que surgem do acaso e dão alma às ruas da cidade.

Primeiro, ainda perto de casa, na frente da Delegacia de Casa Amarela, de um policial civil em prosa provavelmente com o delegado ou algum superior seu, que trazia o revólver na cintura, ouvi apenas um fragmento da conversa que ficou impresso na minha memória. Ignoro o assunto tratado, mas achei interessante quando escutei o agente dizer: “... a pessoa pode estar querendo contemplar a paisagem ou ter um pensamento elucubrativo...” Pensamento elucubrativo às oito e meia da manhã, no meio da rua, foi, no mínimo, hilário e um sinal de que o dia estava só começando.

Segunda cena: Na ponte Princesa Isabel eu caminhava seguindo o fluxo dos corredores. Um deles roubou-me a atenção pelo seu jeito espirituoso e gaiato. Um senhor, já sexagenário, que vez por outra gritava:
- Tá pensando que corrida é priquito? Corrida né priquito, não.

Após repetir algumas vezes, completou:

- Corrida é pau!Disse isso e disparou na carreira, ganhando o oco do mundo. Em segundos já estava lá perto do Teatro Santa Isabel, e eu segui na mesma maciota de antes.

Terceira cena: A organização da corrida, dando um toque regional ao evento, colocou duplas de caboclos de lança em alguns pontos estratégicos da passagem dos atletas. Mas as figuras não entraram bem no clima e mais pareciam estátuas que brincantes. O máximo que eu vi de um deles foi posar para uma foto com alguns turistas. Por isso entendi quando um dos corredores ao passar por um deles gritou provocativo:
- Balança o chocalho, caboco!
Mas até onde pude ver, o grito entrou por um ouvido e saiu pelo outro, e a maquinada do folgazão continuou silente.

Última cena: Já deixando o Recife Antigo, ouvi uma das corredoras perguntar à colega de prova o nome do poeta homenageado naquela estátua no meio do passeio da ponte Maurício de Nassau. Diante do silêncio da amiga, um pescador solícito se apressou em dizer que era do conhecido conde holandês que dava nome à ponte. Ato contínuo, sem muita convicção do que havia dito, buscou a confirmação do seu companheiro de pescaria, que confessou não saber de quem se tratava, mas foi bem incisivo dizendo que não era Nassau, pois este foi um príncipe. Sai de lá com dor de consciência por não ter revelado aos quatro personagens que se tratava de grande Augusto dos Anjos, um dos doze ícones da poesia pernambucana homenageados no projeto Circuito dos Poetas, executado pelo artista plástico Demétrio Albuquerque. Ainda bem que não fiz isso, porque não prestei atenção à escultura e nem tive o cuidado de ler a placa de identificação, e só, mais tarde, através do professor Google é que descobri que, na verdade, não se tratava do poeta do Eu, mas sim do recifense Joaquim Cardoso.


É O XERÉM TRITURADO DA SAUDADE/ NO ANGU REQUENTADO DA ILUSÃO.

Duas estrofes como exercício para um mote que vi glosado por Jessier Quirino:

É o desejo querendo ser real
É vontade buscando ser de vera
É verão cortejando a primavera
É um amor que só dura um carnaval
É sereno, é chuvisco, é temporal
É namoro curtido no portão
É olhar que penetra o coração
E se esconde por trás de uma amizade
É O XERÉM TRITURADO DA SAUDADE
NO ANGU REQUENTADO DA ILUSÃO.

É a voz do querer dizendo vem
É o receio do nada e que diz: - para!
Esperança que arma uma coivara
Faz o fogo arder sob o moquém
É a viagem do sonho que não tem
Compromisso nenhum com a razão
É a força indomável da paixão
Que se instala com toda liberdade
É O XERÉM TRITURADO DA SAUDADE
NO ANGU REQUENTADO DA ILUSÃO.

Recife, 18 de março de 2010.
Honório.