10 de julho de 2007

A HISTÓRIA DO POBRE E DO JUIZ ou A DIGNIDADE É UM SAPATO

Autor: Paulo Moura (Dunga) *


No tempo do meu avô
Dizia-se com clareza
Que um fio de bigode
Representava nobreza
Ou então a afirmação
De que: - Vou cuspir no chão!
Era sinal de firmeza.


Que beleza não põe mesa
Todos já devem saber
E de que julgar alguém
Sem sequer lhe conhecer
É uma idéia falha
Porque, às vezes, gentalha,
É quem está no poder.


Certo dia ouvi dizer
Que o JUIZ de uma cidade
Do auge da competência
De sua autoridade
Se recusou receber
Um homem, por ofender
A sua dignidade

A “ofensa” ou maldade
Que esse homem do mato
Cometeu com o JUIZ
Não foi algo insensato
O POBRE foi recusado
Na sala do magistrado
Porque tava sem sapato

O JUIZ, de fino trato
Não gostava de gentalha
Reclamou ao tabaréu
Porque estava de sandália
E que naquela audiência
Na frente da excelência
Era uma terrível falha

Sem ter alguém que lhe valha
O POBRE homem inato
Chorando disse ao JUIZ
Doutor, não sou insensato,
Sou honesto, embora pobre
Sou desprovido de cobre
Para comprar um sapato

Diante daquele ato
A imprensa acudiu
Saiu no noticiário
Todo o mundo assistiu
“Trabalhador recusado
Porque estava calçado
De forma indigna e viu”


Como ninguém lhe aplaudiu
O JUIZ foi consultado
Pediu desculpas ao povo
Achou ter “exagerado”
Não sabia que o pobre
Não tinha lá muito cobre
E deu o caso encerrado.


Novo dia foi marcado
Para a nova audiência
A imprensa foi atrás
Pra ver Vossa INCELÊNCIA
Destrinchar o veredicto
Pois era homem contrito
De muita classe e decência


Só não tinha consciência
De estar tão equivocado
Porque a honra de um homem
Não esta no seu calçado.
Vestido com mais “decência”
O POBRE foi pra audiência
Com um sapato emprestado

E estava bem apertado
Pois de número menor
O seu sogro lhe emprestou
Porque dele teve dór
Visando grande sacada
O juiz da palhaçada
Fez algo ainda pior


Pensando ser o maior
O JUIZ rico e astuto
Na frente dos jornalistas
Presenteou o matuto:
Bem limpinho e engraxado
Um par de sapato usado
Mas que não era fajuto!


“De aceitar eu reluto!”
Lhe exclamou o rapaz
Um presente do senhor
Eu não vou querer jamais...
Na terra em que fui criado
Os que mais andam calçados
É que são os marginais...

* = Paulo Moura (Dunga), poeta-cordelista membro da UNICORDEL-União dos Cordelistas de PE, pesquisador do Cangaço e Sócio da SBEC (Sociedade Brasileira de Estudos do Cangaço).Tem diversos Cordeis publicados, quase todos fazendo referencia ao Cangaço. Profere palestras sobre Lampião e o Cangaço e sobre a Literatura de Cordel.

Contatos: 81 9421 2653 ou paulodunga@bol.com.br

2 comentários:

fotos de cordel disse...

gostei muito da historia,ela aborda varios pontos socio-economico e cultural.
SENHOR MAURO, nao saiu do foco,DA realidade VIVIDA DO POVO DA BAIXA CLASSE SOCIAIS NAO É SO O MATUTO QUE VIVER! OBRIGADO
UM GRANDE ABRAÇO

zoraia disse...

Em um mundo que parece estar de cabeça pra baixo, nao eh de se admirar que os valores estejam invertidos.
A poesia consegue tocar mais fundo a alma do que qualquer acao da impresa, do que qualquer brado de protesto e al tocar a alma nos faz pensar.
A questao que me vem a mente, mas do que a revolta qto a acao do magistrado, dito culto, eh o quanto a logica do pensamento capitalista ja nos tomou o espirito. Em nosso dia-a-dia, como olhamos para aquele que nao alcança os padroes exigidos pela sociedade de massa. Sera que pelo menos vemos essas pessoas ou estas fazem parte do rol dos invisiveis?
Parabens pela poesia! Belissima!