9 de setembro de 2007

A história do dia em que o amor veio fardado

O ato de fazer versos geralmente se manifesta a partir de um impulso criativo que leva o poeta a registrar com palavras aquilo que ele vê, pensa, sente e sonha. Uma idéia que lhe vem de veneta ou extraída a fórceps, seja como for, uma energia que nasce dentro do poeta e explode para o mundo através da palavra. Mas nem sempre é assim. Desde os tempos mais remotos poetas e outros artistas criam obras sob encomenda, produzem explicitamente para atender a demandas de terceiros, como qualquer artífice consciente da função utilitária do seu ofício.

No cordel, é comum a produção de folhetos de encomenda, normalmente para propaganda política, campanhas institucionais, educativas e publicitárias. Em sua maioria, tais poemas são construídos numa linguagem direta, objetiva, discorrendo desde o início sobre os aspectos mais relevantes do objeto que lhe serve de tema. Mas há poucos dias chegou às minhas mãos um cordel que foge deste padrão e valendo-se do recurso do merchandising, traz uma saborosa narrativa de uma paixão avassaladora como pano de fundo para a publicidade de uma empresa de segurança privada. Trata-se do sensacional folheto A HISTÓRIA DO DIA QUE O AMOR VEIO FARDADO, de autoria do jovem cordelista Mauro Machado, companheiro da União dos Cordelistas de Pernambuco-UNICORDEL.

Mauro conta a história de Simão, rapaz perdidamente apaixonado por Rosinha, jovem que tem uma atração arrebatadora por homens que usam farda, razão pela qual ignora os sentimentos do herói da história e se engraça de Ciço Cafuringa, o guarda da pracinha. Mas Simão não se dar por vencido, e parte para a reação. Julgando ser muito arriscado entrar pro Exército, decide ir pro Recife e ir trabalhar na Nordeste Segurança. Só a partir daí, da finalzinho da quarta página é que a propaganda mostra a cara, mas de uma forma muito solta e graciosa, diluída no enredo amoroso, na medida certa, deixando-se florescer no momento devido, apresentando-se como um recheio no meio desse romance caboclo. Eis alguns trechos desse cordel:
...
O alvo dessa paixão
Tinha a graça de Rosinha
Ela era de Simão
A sua antiga vizinha
Que no Recife morava
Mas pra Gravatá voltava
Porque em junho sempre vinha.
...
Foi quando chegou na frente
Outro homem pra dançar
Interrompeu o pedido
Mandou Simão se catar
Pegando a mão de Rosinha
Foi pro centro da pracinha
Pra com ela forrozar.

Era Ciço Cafuringa
Quem com Rosinha dançava
Era o guarda da pracinha
E bem fardado ele estava
Foi que descobriu Simão
Pra atingir seu coração
Que de farda ela gostava.

No outro dia já queria
Pro Exército entrar
E fardado de soldado
Rosinha iria gostar
Mas se tivesse uma guerra
O seu plano ia por terra
Ia longe guerrear.

Decidiu ir pro Recife
Ver um emprego fardado
Ele andou toda cidade
Foi de um lado ao outro lado
Com muita perseverança
Na Nordeste Segurança
Foi que teve seu achado.
...

Certamente ele seria
Que Cafuringa melhor
Afinal em Segurança
A Nordeste é a maior
E Rosa o namoraria
Pois não mais ela acharia
Que Simão era o pior.
...

Já de noite, na pracinha
Bem de longe ele avistou
Muito autoconfiante
Até ela caminhou
No seu ombro foi tocando
Então foi ela virando
E ele pra ela falou:

- Ó, bela flor pequenina
E que só nasce em botão
Perfumada e tão formosa
Como a lua no sertão
Nessa noite tão perfeita
A senhorita aceita
Dançar comigo, o Simão?

E viu da Nordeste a farda
E na hora se encantou
Nunca viu homem mais lindo
Foi o que Rosa pensou
E esse namoro esperado
Foi com um beijo selado
E ali mesmo começou.
...

3 comentários:

mauro machado disse...

Poeta! 1°, que bom que gostou!!! 2°, fiquei muito, muito lisonjeado com que li! Valeu mesmo!!!

Marcos disse...

Valeu Honório! Parabéns Mauro!

zoraia disse...

A semente sem duvida esta sendo levada a outros campos. Os meios sao os mais diversos e inusitados, mas o q importa eh que frutos serao colhidos.
A magica da poesia faz ate a farda da Nordeste Seguranca ficar bela e romantica. Ha tempos nao visualiza tao bem este poder de transformacao q a arte traz em si.
O encontro deste espaço foi a certeza de que a tradicao pode continuar tradicao sem estar engessada e que a ludicidade eh mais forte do que alguns acreditam e sempre encontrara uma forma de romper o concreto do mundo cartesiano. Uma maravilha ver como podemos nos apropriar dos meios e sermos doces contraventores.
Grande abraço!