22 de março de 2009

Cordel: Um forasteiro no carnaval de Olinda



A convite de Rodrigo
Um primo muito legal
Viajei quase três horas
Com destino à capital
Para ir até Olinda
Conhecer seu carnaval.

No Sábado de Zé Pereira
(Lá se diz Sábado do Galo)
Cheguei bem cedo no TIP
E fiquei a esperá-lo
E andei tanto lhe esperando
Que no pé ganhei um calo.

Quando o primo apareceu
Já chegou agoniado
Dizendo: - vamos, se avexe
Que a gente está atrasado
O Galo está já saindo
- Eita folião danado!

E ele tinha razão
O galo não demorou
É que na pressa, meu primo
Num batente tropeçou
Bateu com a testa no chão
E nela um galo ganhou.

Nós seguimos de metrô
Para o centro da cidade
Os vagões foram se enchendo
De foliões de verdade
Para chegar lá no Galo
Era grande a ansiedade.

Tinha gente pra dedéu
Em tudo quanto é lugar
Tinha até dentro do rio
Você pode acreditar
Nas ruas, um imprensado
No céu, um sol de lascar.

Já perto das duas horas
O Galo fervia ainda
Então meu primo Rodrigo
Encontrou-se com Lucinda
Que chamou a gente para
Ir brincar lá em Olinda.

E do Galo pra Olinda
Seguimos num desadouro
Lucinda deixou o carro
Lá perto do Giradouro
A essa altura meu calo
Já tinha largado o couro.

Andamos quase uma légua
Para chegar na folia
E eu já de pernas bambas
Sem carga na bateria
Mas depois de um retetéu
Recobrei a energia.

Subi e desci ladeira
Sem tá pagando promessa
Muitas vezes não sabia
Se ía por essa ou essa
Mas seja qual fosse a escolha
Sempre tinha gente à beça.

Para cortar o caminho
Entre becos me joguei
Mas com o fedor de mijo
Até mal quase passei
Ô imundície da gota!
Por pouco não vomitei.

Segui o Boi da Macuca
Com Benedito no fole
A essas alturas eu
Já estava todo mole
Pois cada latinha era
Tomada de um só gole.

Quando passou Flor da Lira
Eu quase me desmantelo
Inventei de dar em cima
Da garota do flabelo
Mas seu noivo chegou junto
E eu quase fiquei banguelo.

Na Rua Treze de Maio
Não há quem faça uma ideia
Era tanto frango junto
Tal qual abelha em colmeia
Tinha mais frango do que
A Granja da Mauriceia.

E ainda nessa rua
Encontrei turma animada
Tinha quase dez mulheres
Cada qual mais arrumada
Vendo o harém, disse: “ô
Vida boa, aperriada!”

Ao menos uma eu agarro
Disse com convicação
Mas logo vi que ali
Não era para mim não
Pois descobri que as doidas
Eram tudo sapatão.

Às vezes pensava estar
Em Sodoma ou em Gomorra
Ao ver o “Segurucu”
Ou “Diz que Me Ama, Porra!”
Quem não agüentar rojão
Pra bem longe deles corra.

Corra também do Patusco
Se afaste do D´Breck
Se duvidar do que digo
Com os próprios olhos cheque
Fuja de lá se benzendo
Ou também vire moleque.

Porque a troça é Ceroula
Descobri naquele dia
Pois entrei no rugerruge
Vestido, mas na agonia
Eu saí só com a cueca
Mesmo assim quase a perdia.

Faltou chão e faltou fôlego
Cheguei até flutuar
Quando chegou no Amparo
Fiquei suspenso no ar
Juro que pensei que o mundo
Estava pra se acabar.

Lá na Bodega de Véio
Eu jantei pão com salame
Só pensando no cuscuz
Em macaxeira e inhame
Mas primo disse:- encha o bucho
Lamba o beiço e não reclame

Tudo isso foi fichinha
É verdade, meu amigo
Porque lá nos Quatro Cantos
Enfrentei maior perigo
É que o Tarado da Sé
Quase acabava comigo.

Lá ia eu todo ancho
Dentro da troça animada
Quando o boneco girou
E me deu uma mãozada
Que eu fiquei zonzo, zonzo
Com aquela chapuletada.

Anoiteceu e então
Pensei que teria fim
Esta cruel maratona
Mas Rodrigo disse assim:
Vamos lá pro Guadalupe
Pra saída do Alafim.

E depois do Alafim
Sonhava eu com a pernoite
Mas fomos pro Bonsucesso
Enfrentar um novo açoite
Na saída do boneco
O Homem da Meia Noite.

A Cidade Alta inteira
Num só dia eu conheci
E já nascendo o domingo
Alegrei-me quando eu vi
Rodrigo entregar os pontos
Na sede do Cariri.

Mais de cinco da manhã
Foi que em casa chegamos
Depois de tanta folia
Rodrigo e eu apagamos
Às onze horas, o primo
Acordou dizendo: - Vamos?

- Vamos pra onde, sujeito
Será que dei na mãe minha?
Disse ele: - pra Olinda
Nossa turma está todinha
Nos esperando na troça
Tanajura com Farinha.

É capaz de já estarem
No Mosteiro de São Bento
Respondi-lhe: - Pode ir
Outra dessa eu não agüento
Vou ficar aqui sozinho
Nas pernas passando ungüento.

Quando passou o cansaço
Pra meu lugar eu voltei
O resto do carnaval
Só descansando passei
Ouvindo “pa-pa-pa-pa...”
Por muitos dias fiquei.

E agora, tempos depois
Lembranças chegam na mente
Desse carnaval tão louco
Tão típico, tão diferente
Que por mim não vou perder
Mais nenhum daqui pra frente.

FIM

Fevereiro/2009

3 comentários:

Patrícia disse...

Nossa! Que bela homenagem! ADORO CORDEL e sempre fico super feliz em ver expressões tao peculiares de nossa cultura sendo valorizada e divulgada, assim... Parabéns!!
Adorei seu blog, também. Virei frequentadora rs.

Biblioteca disse...

Aff!! Falar de uma pessoa como você Honório, é muita responsabilidade. Cada dia fico mais encantada com seu trabalho e maravilhada com seu talento. Cordel para mim tem haver com minha infância, traz recordações maravilhosas de papai, pois ele era apaixonado por cordel e eu cresci ouvindo ele recitar cordel e assim como ele me apaixonei. Esse jeito carinhoso que você como poeta tem de falar, divulgar, valorizar nossa cultura nossa gente, digo isso por que sou filha de nordestinos, o sangue corre nas veias.
Adorei seu blog,e seu versos rimas em fim sou sua fã, se papai estivesse em vivo você teria mais um admirador.
Na nossa vida existem coisas que não tem preço, como ter você como amigo...obrigada.

Anderson Almeida disse...

O cordel é poesia
da mais pura singeleza
inda mais se é escrito
com uma tão grande nobreza
vou ficar freguês do blog
eu te digo com certeza.