25 de março de 2010

Miolo de pote: Meu Batismo na Tanajura


O grande toró que caiu no Recife e adjacência de ontem pra hoje, acompanhado por relâmpagos e trovões, fez-me lembrar que nas primeiras chuvas do ano é que se dá a revoada das tanajuras, fazendo a festa da meninada e dos apreciadores desta exótica iguaria. Como uma coisa chama outra, foi inevitável nesta hora não vir à mente a minha mais predileta troça do carnaval olindense, uma agremiação criada há quase vinte anos por funcionários da Caixa Econômica Federal e que, numa opcional clandestinidade, não integra a programação oficial da folia olindense, mas marca presença nas ladeiras todo domingo de carnaval.

Um dos meus grandes achados no carnaval de Olinda foi a troça Tanajura com Farinha, que conheci graças ao meu amigo Sebastião Aquino, cunhado de Almir, um dos organizadores da agremiação. Foi um batismo histórico, a começar pelo pitu que levei de um pequeno ninja, jamis esquecido e que encabeça a lista das minhas desaventuras.

Pontualidade é uma palavra que não consta do dicionário dos blocos e troças, mas eu, como costumo fazer quando se trata de folia, cheguei no pátio do Mosteiro de São Bento, lugar da concentração, faltando alguns minutos para as dez horas. De foliões, quando ninguém, mas a kombi estava lá, estrategicamente posicionada, carregadinha de cerveja gelada (e refrigerantes também), com a moringa de caldinho e a sacola com a dita cuja mergulhada na farinha, amarelada pela manteiga. Não conhecendo ninguém e instropecto na minha timidez, resolvi esperar Tião e os outros amigos sentado na calçada, aproveitando uma nesga de sombra proporcionada pelo beiral de uma das casas.

Aos poucos os foliões da troça foram aparecendo. Chegou o estandarte, vieram os músicos. Após circular pelo pátio, um garoto que carregava a alegoria da agremiação, um varão de ferro encimado por uma tanajura de fibra de vidro (ou será de isopor?), veio também pegar carona na fatia de sombra e se posicionou junto a mim, segurando aquela incômoda geringonça. Permaneceu lá alguns minutos até que falou-me:

- Moço, o senhor podia segurar isso aqui enquanto eu vou ali procurar meu pai?

Solícito, como sempre procuro ser, fui solidário e me dispus a segurar a tanajura enquanto aquele menor abandonado encontrasse seu pai desnaturado e voltasse para resgatar o distinto objeto. Até hoje o miserável não voltou.

Não demorou muito para Benedito da Macuca mandar ver na sanfona, que, junto com a zabumba e o triângulo, formam a orquestra do Tanajura ao longo desses anos, embora já se tenha experimentado usar uma orquestra de metais, certa vez, coisa que pelo gosto de Arnaldo, outro organizador, jamais voltará a acontecer, em que pese a pressão de vários dirigentes e de boa parte dos seguidores da troça. Mas isto é coisa interna deles.

Começou a juntar gente, o povo se animando, a troça já saindo e nada do menino nem da minha turma. Eu sem conseguir mais ficar parado, doido pra cair no frevo sanfonado, não deu outra, assumi meu cargo de porta-tanajura e fui pro meio da folia, disputando com o porta-estardarte em termos de manobras e evoluções. Ah, seu eu te pego, menino desgraçado!

O cortejo já ia deixando a concentração quando meus amigos chegaram. Só então pude compartilhar o vexame da situação e o peso da alegoria, pois espontaneamente foi implantado um esquema de revezamento, ora carregando aquele troço, ora abastecendo de cerveja quem o estava carregando. E foi assim até o fim do desfile, quando, de volta à concentração, teve início a segunda e não menos festiva parte da folia, que é o forrozinho do imprensado, numa das mais disputadas fatias de sombra do carnaval olindense.

Outro fato digno de nota aconteceu nessa minha estréia como folião engajado em Olinda. Sabemos que as ladeiras ficam tomadas de gente no carnaval, principalmente no domingo, acho que por causa do Sala de Justiça. Pois bem. Nosso cortejo saiu garboso do pátio do mosteiro, resistiu bravamente aos primeiros acoites na praça em frente à prefeitura, desceu tranquilamente a ladeira de Pitombeiras, escapou ilesa do acocho da praça da Igreja de São Pedro, seguiu reinando pela Prudente de Morais, mas, quando chegou nos Quatro Cantos e inventou de subir a Ribeira, A Tanajura com Farinha foi esquartejada. Foi caco de tanajura pra tudo que é lugar. Alegoria pra um, estandarte pra outro. Sanfoneiro pra um canto, a zabumba não seu pra onde, o triângulo sumiu. Uns seguiram pela Rua de São Bento, outros pegaram o beco e foram pela Treze de Maio. Alguns voltaram por onde vieram e outros tomaram destino ignorado. Só um bom tempo depois foi que os sobreviventes se reencontram novamente ao lado da kombi, cada um fazendo seu relato de herói de guerra.

Da última vez que fui, estava sem meus pareias e, acabei não sendo um folião solitário, mas sim, solidário, protegendo o coração da nossa folia, a sanfona de Benedito, de uma chuva que queria estragar nossa festa. Para mim foi grande honra abrir mãos das tramelas, das tesouras e das dobradiças.

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